A fraude contra a jornalista Fabrícia Peixoto começou com uma chamada, identificada pelo celular com o número de sua agência bancária.
O criminoso sabia o nome dela, o número da agência e até o número de referência da chave de segurança da vítima.
A estratégia é recorrente. Os estelionatários usam tecnologia para mascarar o número dos próprios telefones e se passar pelos bancos. Eles têm sob a mira pessoas expostas em vazamentos na internet, de maneira que podem articular narrativas calcadas em fatos para enganar o alvo.
"Quando eu atendi, ele se apresentou como 'o Márcio, da sua agência ", afirma Fabrícia. Supostas transferências de alto valor agendadas no aplicativo do banco motivaram a ligação. "Ele me convidou primeiro a ir à agência, antes de se propor a resolver o problema pelo telefone, o que foi mais um fator de confiança", recorda.
O criminoso pediu à jornalista que usasse um código para cancelar a transferência. O código dizia "Cancelamento de agendamento Pix". Peixoto afirma que achou estranho, mas o nome da chave Pix lhe deu outro sinal de credibilidade. As palavras, porém, eram apenas o nome fantasia do CNPJ associado ao pagamento.
O prejuízo da jornalista foi de R$ 7.400. Ela registrou boletim de ocorrência na delegacia virtual e notificou a agência. Porém afirma que não espera receber devolução da quantia, porque fez a transferência por espontânea vontade, usando a própria senha.
Os criminosos conseguiram enganar Fabrícia usando um software que altera o código que sinaliza o número de telefone de quem está ligando (o chamado Caller ID). Com essa adulteração, a chamada vem de um número, mas o que aparece para o usuário é outro, diz a CEO da SilverGuard, Marcia Netto. Essa técnica se chama spoofing.
Não existe atualmente um programa que detecte o uso dessa tecnologia. A Anatel (Agência Nacional de Telecomunicaçõestem um serviço chamado Origem Verificada que garante às empresas registradas um selo de autenticidade (parecido com o que as redes sociais adotam). Os remetentes verificados também podem exibir uma imagem do logo da empresa.
O estudo "Golpes com Pix", da consultoria antifraude SilverGuard, mostra que os golpes por telefone causam, em média, perdas de R$ 5.100 por ocorrência. Trata-se do maior tíquete médio entre as fraudes, embora a frequência dessa modalidade seja mais baixa em comparação com casos de estelionato nas redes sociais -1,6% nas ligações, ante 39% no WhatsApp.
Quadrilhas executam os golpes em centrais telefônicas e recorrem a dossiês de informações pessoais vazadas para praticar os crimes. Por isso, pessoas expostas por vazamentos são vítimas mais frequentes dos estelionatários. Os criminosos também coletam dados em campanhas de emails e sites falsos na internet, nos quais pedem nome, CPF e endereço em troca de supostos benefícios.
A Febraban também alerta para a maior recorrência desse crime contra idosos, que têm proteção adicional no Código Penal -a pena para crimes digitais é agravada quando o crime vitima pessoas com mais de 65 anos.
Os estelionatários, além de simular números de remetentes conhecidos, podem usar irregularmente prefixos comerciais como 0800, 0300, 4000, 4003, 4004, e até o início do telefone da própria vítima, ou enviar mensagens de SMS a partir de números curtos.
A Anatel recomenda ao consumidor que, antes de ligar ou retornar a chamada, consulte a procedência do telefone na plataforma Qual Empresa me Ligou.
No dia 20, a agência também reforçou a fiscalização. As operadoras de telefonia fixa agora serão obrigadas a enviar relatórios mensais sobre o tráfego de chamadas, incluindo as que tiverem indícios de alteração indevida de código de acesso (spoofing).
No caso de Fabrícia, ela só não fez uma segunda transferência e teve um prejuízo maior porque decidiu telefonar para sua agência e confirmar a veracidade dos fatos. "A gerente me disse que não havia nenhum Márcio na agência", relata.
A Febraban também alerta para o risco de golpes com pedidos de transferência via TED e cartão. E afirma que bancos nunca pedem informações bancárias.
"Dizendo que eu olhasse se tinha um empréstimo, o criminoso me perguntou o quanto eu tinha de cheque especial", recorda a jornalista. Ela respondeu e deu margem para o criminoso saber o quanto pedir no golpe.
VEJA DICAS PARA SE PREVENIR
- Nunca ligue para números de telefone indicados em mensagens
- Quando receber uma suposta ligação do banco, confirme a autenticidade da história, ligando para seu gerente ou sua agência
- Nunca compartilhe dados como senhas, token e outros dados pessoais em ligações
- Consulte o responsável pela linha na plataforma Que Empresa me Ligou caso receba mensagens comerciais
FONTE: POR: PEDRO S TEIXEIRA FOTO: REPRODUÇÃO